Escitalopram

É bem verdade
(ou ilusão farmacoquímica)
Que quase já não sinto o mefítico da multidão que me rodeia onde quer que eu vá,
O futum de sua festiva ignorância,
O esterco moral que lhe é a vestimenta da moda,
Que lhe é a grife falsificada mais desejada.

E isso,
É bem verdade
(ou ilusão farmacoquímica),
Concede-me oásis momentâneos
De tranquilidade/tolerância
Durante as 24 cada vez mais longas horas do dia.

Por outro lado,
Já não sinto mais o cheiro sanguíneo
Do pôr-do-sol
A escorrer, a menstruar-se
Por cima do dia estéril.
Meu pau já não acorda para a buceta da madrugada.

Não sinto mais o coquetel alcoólico da mistura da chuva,
Com o asfalto esburacado,
Com o olor da padaria recém-aberta,
Com as flores caídas do ipê, da paineira e do jasmim
Que atravesso rumo ao meu ganha-pão.

Não percebo mais a garoa
A neblina,
O roxo da quaresmeira.
Fiquei daltônico
Para o alaranjado do flamboyant,
O branco do jasmim,
O amarelo da sibipiruna,
O azul da trapoeraba.

Fiquei blindado e insensível
À falta que ainda sentia de ti.
É bom andar sem ansiedades
Sem nós górdios no peito
Sem ânsias de vômito e de pranto.

Talvez pior
Andar sem as saudades de ti,
Sem perceber tuas cores
Sem te ter em minha imaginação
(Foi-se, a minha imaginação).
Sem te ver nas quaresmeiras, nos flamboyants, nos jasmins, nas sibipirunas, nas trapoerabas.
Fiquei daltônico também
Em relação a ti.

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