Estilingue calibre .38

Estilingue, bodoque, atiradeira, baladeira etc. Provavelmente, um dos artefatos defensivos/ofensivos mais antigo pensado pelo homem. Uma vez, vi num documentário que foram achados estilingues num sítio arqueológico na Turquia, com idade estimada entre 6 e 8 mil anos. 


De fato, é muito simples. Uma forquilha – de goiabeira ou de jabuticabeira, de preferência – com uma tira elástica atada a cada uma de suas extremidades e unidas, estas tiras elásticas, a uma tarjeta retangular de couro nas suas outras pontas. O projétil é colocado no couro, as tiras são retesadas,  a mira, feita e pronto, lá vai pedrada.
Tive vários estilingues quando em moleque, até os meus 12, 13 anos. A gente procurava e cortava uma forquilha, comprava meio metro de garrote de látex numa farmácia (às vezes, tiras cortadas da câmera de ar de um pneu velho), pegava a “língua” de um sapato já sem uso e tava feito o estilingue.
Verdade seja dita, nunca fui bom de pontaria. Nunca fui bom em nada, aliás; por que teria a precisão de um atirador de elite?Passarinho, nunca matei. Atirava em latas, garrafas, tentava derrubar manga madura do pé, travávamos guerras de mamona, o paint ball da época.
Até o dia em que minha estimada irmã me flagrou quebrando a lâmpada de um poste com uma bodocada. Delatou-me aos meus pais, tomei uma coça, tive meu estilingue confiscado e nunca mais me permitiram ter um outro.
E não é que agora, em tempos de guerra na Ucrânia, na faixa de Gaza e de mais de 50 mil homicídios anuais no Brasil, um vereador do Paraná está preocupado com a letalidade do estilingue, da lúdica atiradeira, querendo até legalizar o seu porte?
O caso está a se desenrolar na cidade paranaense de Ponta Grossa, localidade que, a julgar pelo nome, nunca irei visitar, preferindo fazer um desvio e entrar em Curralinho, também no Estado das Araucárias.
Um projeto de lei foi protocolado na valorosa Câmera dos Vereadores e poderá, inclusive, punir o cidadão que portar um estilingue sem regulamentação. O nobre edil proponente do projeto coloca que o cidadão que queira ter um estilingue seja filiado a alguma associação, liga ou federação. 
Além disso, deverá estar sempre de posse de um documento oficial que o autorize ao porte de tal artefato bélico. É a CNE! A CNH do estilingue!Caso seja aprovado, a Prefeitura de Ponta Grossa irá criar um órgão responsável pela fiscalização e aplicação das penalidades.
Qual será o nome desse vereador?  Vereador Rolinha? Pardal? Tiziu? – Com a palavra agora – anuncia o Presidente da Câmera -, o vereador Tiziu!Pããããããta que o pariu!!!
Será que o cara terá que fazer curso de tiro ao pombo para ganhar sua habilitação oficial? Exame psicotécnico que o declare apto a carregar um estilingue? Serão criadas bodoque-escolas com aulas práticas e teóricas? Acertar uma janela, perde quantos pontos na carteira? O cara terá que ir à DP mais próxima e pedir uma negativa de antecedentes criminais, terá que apresentar uma “capivara” limpa?
Como será definido até que calibre o estilingue se prestará a uso recreativo e a partir de qual, ele passa a ser de uso exclusivo das forças policiais e militares?

– Olha, meu senhor, a sua habilitação é Classe A, a qual o autoriza a atirar pedras de até 2 cm de diâmetro.O sujeito entra numa divisão da PF e é atendido pelo gentil meganha de plantão :

– Pois não, cidadão, o que posso fazer pelo senhor?

– Vim tirar meu porte de arma pra estilingue.E leva uma coronhada na testa! E com razão.
O projeto de lei é do ocupadíssimo deputado Dr. Zeca, do União Brasil.
É como bem disse, certa vez, Roberto Campos, eminente economista, professor, escritor e diplomata : “o Brasil não corre o menor risco de dar certo”.

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